Política e jogo global

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A política não é disputa esportiva, onde se torce por um lado apenas por simpatia ou paixão. No campo político, situações que estão na contramão do bem comum não podem ser encobertas para preservar partidos e seus candidatos. A própria política partidária deve se reconfigurar, a partir de parâmetros éticos e morais, para ressurgir com credibilidade. E o primeiro passo é o fortalecimento da vida cidadã, um compromisso social, mas também de fé, da chamada cidadania eclesial, que requer a audácia profética para sempre buscar a verdade.

Torna-se muito difícil posicionar-se com mais isenção quando se mergulha no universo partidário. Aceitam-se nomes e propostas que são verdadeiros despropósitos em função da permissividade que se instaura no contexto das legendas. Essa prática comum inviabiliza qualquer proposta de reforma política, fundamental para se ajustar o quadro desafiador das instâncias do poder. E sem a reforma, permanece a carência de líderes qualificados. Surgem diversos nomes sem qualidade humanística, incapazes de promover as transformações almejadas pela população. Muitos representantes do povo alimentam um equivocado, e até perverso, modo de compreender o poder. Acham que tudo é permitido aos que foram bem-sucedidos nas urnas. Por isso, valem-se de cargos e funções para acumular benesses. Não priorizam o desenvolvimento integral da coletividade. Contaminam ainda outras pessoas que exercem o poder com a doença do egoísmo, gerando o caos.

Uma situação lamentável que desconecta a política da vida e suas dinâmicas, de tal forma que muitos a percebam como algo irrelevante. Sem a reversão desse cenário, questões essenciais para se construir um país melhor permanecem fora de qualquer debate. Ocupam o centro das atenções os ataques ou autoelogios, promovidos pelo âmbito partidário, que nada acrescentam. Não há espaço para o genuíno pensamento crítico, imprescindível para o exercício da cidadania.

Assim, a política, que deveria ser caminho para o exercício da caridade e promoção do bem comum, progressivamente torna-se sinônimo de fraude e de corrupção. Submetida a interesses espúrios, é tomada pelo descrédito. E a responsabilidade pela corrosão do sentido genuíno da política é de toda a sociedade, principalmente dos que ocupam cargos nas instâncias do poder e são vinculados ao universo partidário. Nesse ambiente dos partidos sobressaem, com frequência, os interesses cartoriais, as manipulações que sepultam a política. Os consequentes prejuízos são muitos, alguns irreparáveis, outros requerem um longo período para a recuperação. Uma grave perda é a apatia do povo em relação à política.

Configura-se, assim, uma urgência: recuperar o genuíno e indispensável sentido da política, para o bem da sociedade. Essa tarefa deve unir instâncias que defendam a ética e têm força educativa. A Igreja Católica assume a sua responsabilidade nesse trabalho, buscando oferecer contribuições para que as pessoas possam desenvolver a competência necessária à definição de escolhas e à formulação de juízos. A Igreja não se insere na política partidária, uma tarefa que pode e deve ser exercida pelos cristãos leigos e leigas. Dedica-se a ajudar as pessoas que, em estágio anterior à escolha de um partido, precisam discernir bem para alcançar a verdade sobre candidatos e legendas.

A Igreja deseja colaborar para evitar o enfraquecimento da vida cidadã e o agravamento das crises no universo político e social, pois a desqualificação da cidadania é obstáculo para se encontrar respostas inteligentes capazes de mudar o preocupante cenário atual. É hora de recuperar a nobreza da política, configurando-a como serviço à vida, exercício do poder que não se subordina à lógica partidária desconectada do bem comum. Todos assumam a tarefa de reconduzir a política aos seus verdadeiros trilhos, alinhando-a ao jogo global de anseios e necessidades da população.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte