A cadeia virtual

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Para falar da cadeia virtual vou recorrer de forma descontextualizada a um texto do profeta Isaías que diz respeito ao retorno dos exilados a Jerusalém, no qual diz o seguinte: “Velhos e velhas ainda se sentarão nas praças de Jerusalém, cada qual com seu bastão na mão, devido à idade avançada; as praças da cidade se encherão de meninos e meninas a brincar em suas praças” (Zc 8,4-5). Estas palavras traduzem a alegria, a harmonia a paz dos fiéis israelitas que vivem em Jerusalém. Os velhos indicam a longevidade, as crianças a fecundidade e vitalidade.

Transpondo esta cena para os nossos dias, em tempos de cadeia virtual, tem se tornado cada vez mais raro ver nossos idosos sentados nas praças conversando até perder a noção do tempo. Tem se tornado cada vez mais raro ver meninos e meninas brincando nas praças até o cair da noite. Enquanto se generalizou o grande número de crianças, jovens, adultos e velhos sentados nas calçadas, nos quartos, nas salas, na igreja, nas salas de aula, presos compulsivamente ao seu celular. Completamente absolvidos pelas solicitações virtuais, ao ponto de se esquecerem do mundo real que os rodeiam.

São milhões e milhões de pessoas, das mais diversas idades presas numa mesma cadeia virtual. Uma verdadeira prisão sem correntes, mas que mantém seus usuários cativos, prisioneiros. De tal modo que já não importa as pessoas que estão presentes à mesa, já não importa se é um momento de oração, se é no momento da celebração eucarística, se é na sala de aula. Esta cadeia virtual tem um poder tal, ao ponto de condicionar as pessoas a pensar que os outros podem esperar, mas o whatsapp, o facebook, o instagram não.

As consequências desta cadeia virtual são várias, entre as quais as mais comuns são os quadros de ansiedade ou de esgotamento mental, a incapacidade de saber esperar, a exposição danosa à pornografia, o estímulo abusivo ao consumismo, o assédio de grupos violentos e fundamentalistas. O uso compulsivo dos instrumentos digitais, que reduzem a pessoa a um robô, movido por estímulos e respostas imediatas, roubando-lhe completamente a capacidade crítica e reflexiva, expõe perigosamente, sobretudo as crianças e os jovens a tais ameaças. Não são poucos os casos de jovens induzidos ao suicídio ou cooptados por grupos radicais através destes meios.

Este fenômeno é universal, quando andamos pelas ruas já não vemos mais os velhos a conversar, as crianças e os jovens a jogar e a brincar. Mas certamente veremos centenas de pessoas, de todas as idades, completamente absortas usando seus celulares. Se entretendo com sua “chupeta digital”, denominação usada pelos próprios expertos da rede. Chupeta digital sem à qual pessoas de todas as idades ficam irritadas, dispersas, ansiosas, nervosas. Se vai à missa a chupeta digital (o celular) tem que ir junto, quando está dormindo a chupeta digital tem que estar ao lado, quando vai ao banheiro se aproveita um pouco mais da chupeta digital.

Como foi dito num recente documentário da Netflix, cujo título é: “O dilema das redes”, só existem dois tipos de coisas que tem usuários: as drogas e as redes sociais. Porque de fato as redes sociais foram pensadas para funcionar como uma droga. Foram pensadas para que a pessoa entre não sai mais, para que gaste ali a maior parte do seu tempo. De modo que, aos poucos, o conteúdo ali vinculado vá moldando a pessoa e determinando sua forma de pensar, de vestir, de se divertir, condicionando suas opções políticas, religiosas e morais. Fica, pois, um alerta aos pais e educadores, para que criem caminhos que evitem a exposição excessiva das crianças nas redes, bem como que as mesmas sejam expostas a conteúdos violentos, pornográficos, eróticos e outros mais.

A cadeia virtual tem a capacidade de controlar as pessoas como se fossem crianças que, quando são privadas da sua chupeta virtual, ficam nervosas, aborrecidas. Se por acaso você acha que isto não é verdade, que o mundo virtual funciona como uma droga, da qual você é usuário; faça a experiência de sair de casa sem levar o celular; faça a experiência de ficar um dia sem acessar suas redes sociais. Experimente estabelecer dia e horários precisos para seus filhos usarem o celular ou o computador. Aí você poderá medir quão dependente você é de tais instrumentos.

Por fim, quem sabe possamos encontrar um caminho para o uso razoável desses novos meios de comunicação, que tem também grande valor, mas somente quando são usados como instrumento. Porém, quando instrumentalizam as pessoas funcionam como droga, encerrando-as numa cadeia perigosa e destrutiva. Aqui vale recordar São Paulo: “A mim tudo é permitido, mas nem tudo me convém” (ICr 12). Quem sabe chegue o tempo no qual os velhos voltarão a sentar-se nas praças para conversar até perder a hora. Quem sabe chegará o dia no qual nossos meninos e meninas voltarão a brincar e jogar nas ruas suas partidas de bete, bandeirinha, golzinho, salve-latinha, pique esconde, bola de gude, baratinha, carrinho de rolimã e outros.

Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
do clero diocesano de Formosa-GO
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF