Tal qual o coração humano, que para funcionar bem, precisa de um duplo movimento de sístole e diástole, assim a concentração da autoridade das leis precisa, ora estar nos poderes constituídos, ora estar no povo que os constituíu.
Com efeito, no coração humano, observamos os movimentos cardíacos: Sístole e Diástole. A contração ventricular é conhecida como sístole e nela ocorre o esvaziamento dos ventrículos. O relaxamento ventricular é conhecido como diástole e é nessa fase que os ventrículos recebem sangue dos átrios.
Assim também deveria ocorrer com o exercício da autoridade decorrente das leis, numa democracia representativa. No momento do estresse eleitoral, para controlar as paixões e garantir a liberdade do voto, as autoridades constituídas devem contar com a força da lei, evitando, a todo custo, o abuso do poder econômico e do poder político, fazendo com que a vontade popular emerja das urnas de forma autêntica e não viciada pelo jogo sujo dos mesquinhos interesses particulares em detrimento do bem comum.
Tão logo haja a proclamação, diplomação e posse dos eleitos, urge que a concentração da autoridade das leis volte para o povo ao qual pertence, que poderá exigir, livremente, o cumprimento das leis por parte das autoridades constituídas.
É esse o significado autêntico do Artigo 1o, Parágrafo único, da Constituição da República, que diz: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social: não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua sociabilidade (REALE, Miguel; Lições Preliminares do Direito, 26.ª edição, 2002, Editora Saraiva, São Paulo, p.2).
Em sendo assim, toda autoridade continua obrigada à prestação de contas, aquilo que no idioma inglês significa “accountability”. É dever, obrigação, do representante prestar contas ao representado, daquilo que faz, pois é o povo que governa por meio dos seus representantes.
Sob esse prisma, o Executivo, Legislativo e Judiciário são obrigados a pautar a sua atuação dentro dos limites estritos traçados pela Constituição e pelas leis, sob pena de abuso, que deve, prontamente ser corrigido. Ao contrário, estar-se-ia conferindo aos representantes mais do que realmente quis conferir-lhe os representados.
Não cabe ao executivo executar políticas públicas em desacordo com a vontade popular ou o que a lei não autoriza fazê-lo; não cabe ao legislativo furtar-se em traduzir em leis os anseios do povo, ou legislar contra o sentimento do povo brasileiro; e não cabe ao judiciário dizer um direito que não seja a lídima expressão da vontade popular, expressa na Constituição e nas Leis.
Com isso, não há espaço para o autoritarismo, para a omissão legislativa nem para o ativismo judicial.
Cabe ao constituinte encontrar os meios para que, de fato, esta dupla movimentação da autoridade se dê sem traumas ou rupturas institucionais e democráticas, na estrita obediência à vontade popular emergida das urnas.
Muito a propósito, a Campanha da Fraternidade deste ano de 2019 traz à discussão a participação popular na execução das políticas públicas.
A esse respeito, diz a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB: “Buscando estimular a participação em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais de fraternidade, a Campanha da Fraternidade 2019 terá início em todo o país no dia 6 de março. Com o tema “Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema “Serás libertado pelo direito e pela Justiça” (cf. Isaias 1,27), a CF busca conhecer como são formuladas e aplicadas as Políticas Públicas estabelecidas pelo Estado brasileiro.
Como exemplo dessas ações, o texto-base além de contextualizar o que é o poder público, os tipos de poder e os condicionantes nas políticas públicas, fala sobre o papel dos atores sociais nas Políticas Públicas. A participação da sociedade no controle social das Políticas Públicas é outro tema de destaque no texto-base. “Política Pública não é somente a ação do governo, mas também a relação entre as instituições e os diversos atores, sejam individuais ou coletivos, envolvidos na solução de determinados problemas”, afirma o secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner.
Ainda segundo dom Leonardo, devem ser utilizados princípios, critérios e procedimentos que podem resultar em ações, projetos ou programas que garantam aos povos os direitos e deveres previstos na Constituição Federal e em outras leis. Por isso, segundo ele, a temática se fez necessária para a CF de 2019. “Políticas Públicas são as ações discutidas, aprovadas e programadas para que todos os cidadãos possam ter vida digna”, afirma dom Leonardo.” (cf. Materiais da CF 2019 incentivam participação cidadã na construção de Políticas Públicas, 09/01/2019: cnbb.org.br).
A incursão da Igreja nesse assunto está de acordo com o espírito quaresmal, pois a Quaresma é tempo de voltar-se para Deus, mediante a prática da oração, do jejum e da esmola.
Diácono Delintro Belo de Almeida Filho
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás