Uma casa bem edificada está sempre norteada por um projeto. Contudo, o projeto ainda não é propriamente a casa, embora seja ele quem irá fazer a unidade da edificação em todo o seu conjunto. A casa se tornará uma verdadeira habitação quando estiver com todos os seus cômodos edificados. De igual modo e com maior dignidade se mostram os atos litúrgicos, nos quais explicam-se as Escrituras, nestas, seus paralelos nos tocam fazendo com que possamos passear no jardim da Palavra de Deus, saborear e sentir o cheiro de todos os frutos destes atos celebrativos.
O homem é feito padre para servir o povo de Deus e, para sua Santificação, se precisa do Batismo Sacramental. O seu ser padre ajuda na santificação e salvação dos irmãos na medida que se vive o que se celebra.
Para São Josemaria Escrivá, “O sacerdócio leva a servir a Deus num estado que, em si mesmo, não é melhor nem pior do que os outros; é diferente. Mas a vocação de sacerdote aparece revestida de uma dignidade e de uma grandeza que nada na terra supera”. Ao ponto de Santa Catarina de Sena colocar na boca de Jesus estas palavras: “Não quero que diminua a reverência que se deve professar pelos sacerdotes, porque a reverência e o respeito que se lhes manifestam, não se dirige a eles, mas a Mim, em virtude do Sangue que lhes dei para que o administrassem”.
De modo similar, a unidade da liturgia é a totalidade de sua celebração. Tal como afirma a Constituição Apostólica Sacrossactum Concilio, “a Liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força” (SC, 10). Assim, as indicações litúrgicas prevem ações e gestos que compõem um conjunto cheio de ricos significados na vida da Igreja.
Dentro da liturgia, como parte das celebrações, existe a figura do beijo celebrativo, de grande significado, especialmente na Santa Missa. Muitas vezes, esse beijo é secreto, revelado tão somente ao mistério celebrativo; noutras, este beijo ganha força extra missa ganhando um significado de respeito e unidade.
Eis alguns momentos litúrgicos, ou não, onde o beijo se faz presente:
1) Beijo da cruz interna da Estola
Enquanto o padre se paramenta, veste as roupas Litúrgicas, ele o faz com a forma gestuária do beijo na cruz que se encontra na parte interna da estola. É a íntima unidade entre quem celebra com Aquele que é celebrado.
Depois que o sacerdote veste a casula, o mistério de unidade deixa de ser visível aos olhos humanos e passa a fazer parte do mistério envolto a toda a celebração.
2) Beijo de Saudação do Altar
Ao aproximar do altar, o Presbítero, devidamente paramentado para a função que vai desempenhar, faz uma vênia, uma forma de saudação, que consiste em baixar a cabeça juntamente com os ombros em frente ao Altar. Em seguida, o sacerdote aproxima do altar e faz uma segunda saudação com o beijo, representando a intimidade. No beijo ao altar o sacerdote mostra-se disponível para a celebração como o canal da graça de Deus.
Oração do beijo do altar: “Nós vos suplicamos, Senhor, pelos méritos de vossos santos, (beijando o centro do altar) cujas relíquias aqui se encontram, e de todos os demais santos, vos digneis perdoar todos os nossos pecados. Amém”.
3) Beijo ao Santo Evangelho
O sacerdote beija o Evangelho, fazendo a oração: “Que pelas palavras do Evangelho nos sejam perdoados os pecados.”
4) Beijo da paz ou Saudação (Ósculo da paz)
Em quatro cartas paulinas, segundo Raymond Brown, (1 Tessalonicenses, 1 e 2 Coríntios, Romanos) e em 1 Pedro, a saudação deve ser feita com “um ósculo santo”.
Embora beijos fossem comum entre os membros da família, havia certa reserva quanto a beijos públicos na sociedade greco-romana. Na maioria das vezes, são descritos em cenas de reconciliação ou no encontro de parentes, após uma separação.
Durante seu ministério, Jesus e seus discípulos não trocam beijos, mas o uso que Judas faz do beijo no Getsêmani, num contexto em que ele não queria alarmar Jesus, pode significar que era uma saudação normal no grupo e, certamente, o beijo como cumprimento está atestado na Bíblia:
a) “Então Esaú correu-lhe ao encontro, e abraçou-o, e lançou-se sobre o seu pescoço, e beijou-o; e choraram” (Cf. Gn 33,4);
b) “Joab disse a Amasa: Como vais, meu irmão?, e tomou-o pela barba com a mão direita, para o beijar” (2Sm 20,9);
c) “Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou” (Lc 15,20).
Evidentemente, a comunidade cristã adotara o beijo como sinal de amizade; era santo porque era trocado entre os santos.
5) Beijo de despedida do Altar
O altar representa, desde tempos remotos, o próprio Cristo, “a pedra angular” (Ef 2,20). Beijá-lo é beijar o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.
Quando o Sacerdote se despede do altar com um beijo, mais do que um ato respeitoso e de intimidade eucarística, é o momento em que se renova a vocação, pelo mistério celebrado; instante em que o Sacerdote é “alentado” por Jesus a permanecer fiel.
É uma fidelidade que remonta seu dia a dia com orações e súplicas, assim o beijo de despedida do altar se faz com a recitação da oração: “Seja-vos agradável, ó Trindade santa, a oferta de minha servidão, a fim de que este sacrifício que, embora indigno aos olhos de vossa Majestade, vos ofereci, seja aceito por Vós, e por vossa misericórdia, seja propiciatório para mim e para todos aqueles por quem ofereci. Por Cristo Jesus Nosso Senhor. Amém.”
6) Beijo à mão do Padre
Beijar a mão do Padre é um antigo costume que expressa respeito tanto pelo sacerdote, por ser um “homem de Deus”, quanto pelos sacramentos que essas mesmas mãos dispensam.
Pedir a bênção, beijando a mão do Padre, é confessar com um gesto a crença de que essas mãos foram, sim, ungidas para abençoar e fazer o bem. Se o próprio Sacerdote impede que o fiel use dessa “profissão de fé”, talvez seja porque ele mesmo não tem convicção da sublimidade de sua vocação, uma vez que por tais mãos, ungidas pelo óleo do Crisma, Cristo desce a terra, eucaristicamente, compadecendo-se de nossa fragilidade.
Portanto, que o beija-mão continue sendo demonstração de nossa imensa gratidão, por um Deus que olhou para a débil humanidade e assegurou a dispensação dos mistérios sagrados por meio de homens, frágeis como nós, mas revestidos de um poder que vai muito além do que nossos olhos podem ver.
7) Beijo ao anel do Bispo
Ao beijar o anel do Bispo, demonstra-se respeito pela autoridade que ele representa, ao mesmo tempo que estupor diante do mistério da Igreja, da qual ele é Pastor. Beija-se, portanto, a Igreja como um todo, no sincero desejo de que haja um único beijo, uma única fé, uma única razão de existir, em Cristo Nosso Senhor.
Conclusão
Tudo na liturgia necessita seguir critério na sua execução. As ações Litúrgicas seguem com suas reservas até aos dias atuais sem deixar se corromper pelos seus executores.
Beijar o sagrado é ter o sincero desejo de nós mesmos fazermos parte deste sagrado, como numa tentativa penitencial de nos tornarmos menos indignos, de lábios menos impuros, a fim de nos aproximarmos do Sumamente Santo.
Beijar é demonstração de carinho? Mais que isso… É desejar, por meio tão fugaz, que a presença do outro se eternize. É amar sem palavras. É adiar despedidas, ou mesmo preparar para enfrentá-las.
Beijar é valer-se da tentativa de transmitir um pouco de si à pessoa amada, seja ela pai, mãe, irmão, filho, cônjuge ou amigo. É comunicar, de forma ágrafa: “Amo você”. “Não se vá”. “Fique”. “Se cuide”. “Não morra…”
Em um só beijo, paradoxos brincam de nos fazer rir ou chorar sem, no entanto, retirar de nós o que há de mais belo, ao conferi-lo: nosso próprio coração. Oxalá a cada beijo sacro fôssemos pessoas melhores e mais santas!
Pe. Joacir S. d’Abadia
Filósofo, autor de 10 livros, pároco da Paróquia São José Operário e Administrador da Paróquia Santa Luzia em Formosa (GO)
Bibliografia
A BÍBLIA DE JERUSALÉM: nova edição, revista. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2000.
BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. Tradução de Paulo F. Valério. São Paulo: Paulinas, 2004.
Constituição Apostólica Sacrossactum Concilio, 10. Documento do Concílio Vaticano II. Paulus: São Paulo, 1997.
Escrivá, Josemaria. Amar a Igreja. Tradução: Mário Pacheco. 2* Ed. São Paulo: Quadrante, 2016 (Coleção Vértice 51).
Ordinário da Santa Missa – São Pio V”
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/documentos/decretos/ordinario_santa_missa/
Online, 29/11/2018 às 14:07:24h
Santa Catarina de Sena, O Diálogo, cap. 116; cf. Ps CIV, 15.