Os novos maniqueus

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“Não há nada de novo debaixo do sol.” Lembrei-me dessa frase do Livro do Eclesiastes (1,10) ao refletir sobre o momento que vivemos no Brasil. As eleições terminaram, mas os confrontos verbais, não. Parece que continuamos em campanha eleitoral – a campanha de 2018, que dividiu os brasileiros entre bons (os do meu lado) e maus (os do outro lado). Essa radicalização não é nova. Quais ondas que vão e vêm, as ideias e os comportamentos humanos se repetem ao longo dos séculos.

Na metade do século terceiro de nossa era, Mani (ou Manes), que morava na antiga Pérsia (hoje: Irã), difundiu uma doutrina filosófico-religiosa que defendia o dualismo entre dois princípios opostos: o bem e o mal. Segundo ele, há uma oposição permanente entre a luz (o bem) e as trevas (o mal). Suas ideias, que deram origem ao maniqueísmo, tiveram profunda influência em sua época, a ponto de Santo Agostinho, antes de sua conversão, tê-las abraçado; convertido, tornou-se um ferrenho adversário dessa visão de mundo.

Séculos mais tarde (séc. XI), as ideias maniqueístas voltaram a ter evidência, agora, na Europa e, particularmente, na França. Esses novos maniqueus pertenciam à seita dos cátaros ou albigenses.

Periodicamente, o maniqueísmo ressurge aqui e ali, não tanto como doutrina, mas como concepção de vida, como atitude prática. Divide-se a humanidade em dois grupos que, qual óleo e água, se encontram, mas não se misturam. O outro é visto como um adversário, um ser perigoso, um inimigo. O outro só tem defeitos, é mau, deve ser exterminado a qualquer custo. O outro é um demônio. Já a própria maneira de pensar é sábia, mesmo que muitas vezes se contradiga. A sociedade fica, então, dividida. Pior: quanto mais o outro – isto é, o inimigo a ser destruído – fracassar, melhor, pois, então, o “bem” triunfará.

Temos dificuldade de conviver com o diferente, com quem pensa de modo diverso de nós. Inconscientemente, sonhamos com uma sociedade em que todos teriam o mesmo partido político, a mesma religião, o mesmo time de futebol, o mesmo modo de pensar. Os sistemas totalitários, de direita e de esquerda, alimentam-se desse sonho. E dão no que dão.

Viver é conviver. Vivêssemos em uma ilha, tendo tudo o que fosse necessário à nossa disposição, seríamos terrivelmente pobres. Pobres e egoístas. O diferente nos enriquece, pois nos leva a um melhor autoconhecimento. Conviver é respeitar; é ter a capacidade de ouvir, para se enriquecer com outras maneiras de pensar e de ver o mundo. Já imaginaram quanto triste e deprimente seria um mundo de robôs?

“Não há nada de novo debaixo do sol.” Os dias atuais estão nos mostrando que o maniqueísmo continua vivo. E, como todo “ismo”, é ideológico e empobrecedor.

Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de Salvador – Primaz do Brasil