É a esperança da glória que suaviza o temor e a dureza da cruz
A celebração da festa de hoje, a transfiguração do Senhor, nos coloca diante do tema da glória de Deus, uma realidade inatingível, misteriosa, que somente pode ser compreendida à luz da fé. Uma vez que a glória de Deus ultrapassa infinitamente a glória humana, que é transitória, passageira e exterior. Enquanto a glória de Deus é interior, eterna, corresponde a sua própria natureza.
A glória de Deus confunde-se com sua própria natureza, podemos mesmo dizer – Deus é glória. A glória de Deus se expressa de modo particular por sua santidade e seu poder, realidades que causam assombro ao homem. Diante da glória de Deus o homem é tomado de temor, pois se percebe infinitamente pequeno diante da grandeza de Deus. Isso justifica a reação dos discípulos que caem por terra ao ouvirem a voz vinda do céu na transfiguração do Senhor.
O homem não pode ver a glória de Deus e continuar vivo. Por isso, na sua transfiguração, o Senhor revela sua glória aos discípulos apenas de modo indireto através de sinais: o brilho do seu rosto, a claridade das suas vestes, a presença do patriarca Moisés e do profeta Elias, a nuvem luminosa, a voz do Pai vinda do céu.
Inicialmente a manifestação luminosa do Senhor enche os discípulos de contentamento, o que nos leva a compreender que a glória de Deus sacia de tal modo o coração do homem, que ele já não deseja nada mais além de Deus mesmo. Daí o pedido de Pedro: “Então Pedro tomou a palavra e disse: ‘Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas…’ (Mt 17, 4).
Fazer tenda significa estabelecer morada. O homem atraído pela glória de Deus quer Nele fazer sua morada. Contudo, antes de encontrar morada definitiva em Deus, resta-nos ainda percorrer como peregrinos os caminhos tortuosos deste mundo, é preciso ainda passar pela experiência da Cruz, para entrarmos na glória definitiva ao participarmos da ressurreição do Senhor.
O Senhor se transfigura diante de Pedro, Tiago e João, para que estes, animados pela esperança da glória tenham força suficiente para enfrentar a experiência da cruz, do martírio, da perseguição. Assim deverá ser para todo discípulo do Senhor, em qualquer época da história. É a esperança da glória que suaviza o temor e a dureza da cruz.
Terminada nossa peregrinação terrena, vencidas as cruzes do medo, do pecado, do ódio, da enfermidade, da divisão, da morte, da incredulidade; então poderemos armar definitivamente nossa tenda em Deus e participar definitivamente da sua glória. Não é por acaso que neste mundo nós não moramos, porque aqui não temos morada definitiva. Aqui nós apenas demoramos, aqui nossa tenda é provisória, somente em Deus é que teremos morada definitiva.
Assim nos prometeu o Senhor: “Cesse de perturbar-se o vosso coração! Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vos teria dito, pois vou preparar-vos um lugar, em quando for e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também” (Jo 14, 1-3). Enquanto, não chega a hora de entrarmos na morada definitiva, vamos nos guiando neste mundo pela escuta atenta da voz do Filho. Obedientes à voz do Pai que nos convida: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!” (Mt 17, 5).
Por fim, caminhamos para a glória de Deus na obediência à voz do Filho que continua a ecoar no mundo através do anúncio do seu evangelho, através da fé da sua Igreja católica. Enquanto peregrinos, nos preparemos todos os dias para deixar a morada provisória deste mundo, para adentrarmos na morada eterna da glória de Deus.
Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF
Leituras: Dn 7, 9-10.13-14/ Sl 96 (97)/ II Pd 1, 16-19
Evangelho: Mt 17, 1-9