Todos precisamos de amigos, porque a amizade nos faz mais humanos, amplia os horizontes da nossa alma. Tanto que:
“Martin Buber define de modo sugestivo a amizade como um autêntico e recíproco acolhimento da alma humana: ela nos faz experimentar a intimidade mútua, o que se supõe tanto a possibilidade de entrar em contato com o mistério do outro como a força para confiar ao outro o mistério que nós somos .¹
Partindo desta definição de amizade de Martin Buber, chegamos à compreensão que a amizade é um entrelaçamento de mistérios. Neste sentido, as amizades autênticas nos ajudam a conhecer aspectos desconhecidos de nós mesmos. O que faz da amizade uma relação desveladora do eu. Porque quando nos abrimos à amizade, podemos nos conhecer melhor e conhecer os outros. Ampliando ainda mais a compreensão acerca da amizade autêntica, ela pode ser definida como uma comunhão de vida, de valores, de atitudes:
“A amizade é a íntima concordância de atitudes e de estilos de vida que gera uma comunhão profunda entre as pessoas, de modo que – afirma o Estagirita – ‘as disposições que o homem virtuoso tem por si mesmo, mostra-as igualmente para com o seu amigo, já que este não é mais do que outro ele mesmo” .²
Na amizade, entendida como comunhão de vida sobressai o aspecto de querer para os amigos o mesmo bem que se persegue para si. Não é por acaso que o melhor amigo do homem é Nosso Senhor Jesus Cristo, que para nos dar a graça da filiação, que era exclusivamente sua, se fez um de nós assumindo a nossa condição, para que pudéssemos receber a graça de ser filhos adotivos de Deus. Assim é, os verdadeiros amigos comunicam aos seus os bens e valores que são seus. Disto decorre as principais características de uma amizade autêntica:
“Do ponto de vista psicológico, a amizade é uma relação caracterizada pela igualdade, a reciprocidade, a gratuidade, a naturalidade, a comunicação, a confiança, o apoio mútuo, a alegria de estar juntos, o fato de compartilhar e o enriquecimento pessoal surge como consequência. Para quem contrai matrimônio, o primeiro amigo é o companheiro ou companheira com quem se comprometeu para viagem da vida, como afirmava São Tomás, seguindo Aristóteles e Santo Agostinho…³
Partindo destas características fundamentais da amizade chega-se à conclusão que a mais bela e completa de todas as amizades é a de Nosso Senhor Jesus Cristo para com o homem pecador. Em segundo lugar aparece a amizade entre os esposos, pois o matrimônio cristão, entre um só homem e uma só mulher, precisa ser dotado de todas estas características da amizade enumeradas acima, celadas pela graça do sacramento. Se vem a faltar tais características a amizade se degenera em jogo de interesse, o matrimônio se transforma em exploração egoísta do outro.
Além destas características a amizade autêntica precisa estar sujeita a dois outros critérios: “Este é, portanto, o critério de autenticidade de uma amizade especial no contexto da fé: a amizade é algo bom se nos faz progredir na fidelidade e na santidade” . De modo que, se a amizade com alguém torna-se causa e fonte de pecado, de infidelidades a Deus, não se trata de amizade, mas de qualquer outra coisa. Ademais relacionamentos marcados por ciúmes, por apegos, dependências doentias, cobranças, exclusivismos, são desordens passionais não amizade. Uma vez que amizade é algo bem distinto, é escola de comunhão, de partilha, de diálogo, de doação, de serviço desinteressado, de liberdade.
Por fim, não resta dúvidas, que a amizade autêntica é aquela que se funda na virtude. Como bem preconizou Aristóteles: “Os maus, com efeito, não tem amigos, se não cúmplices; os libertinos tem companheiros de corrupção e libertinagem; os interesseiros e negociantes tem associados; os ociosos e mundanos tem relações; os magnatas tem cortesãos; os déspotas e tiranos tem servos. Somente os homens virtuosos tem amigos. É porque a verdadeira e desinteressada amizade só pode fundar-se na virtude” . Onde não há virtude não há, pois, terreno propício para se estabelecer amizades verdadeiras.
¹ M.P. FAGGIONI, O valor da amizade na vida celibatária, in: Amar e ensinar a amar, Cultor de livros: São Paulo, 2019, p. 175. ² Idem, p. 176. ³ Idem, p. 177. [4] Idem, p. 187
Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF