“Tu és o meu Filho amado” (Mc 1, 11)

O misterioso evento do batismo do Senhor, embora tenha um significado distinto do nosso, nos faz inevitavelmente recordar o nosso batismo, através do qual somos justificados em Jesus Cristo, no qual nos tornamos filhos de Deus, no qual recebemos a graça da filiação, no qual recebemos um carácter (um sinal) que indica a nossa pertença a Jesus Cristo.

No batismo do Senhor o Pai o revela ao mundo como Filho: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bem-querer” (Mc 1,7-11). E assim, revelando o Filho Deus revela também o mistério da sua paternidade, não segundo a paternidade humana, mas uma paternidade com virtudes e a ternura mais próximas da maternidade. Enquanto o batismo de Jesus Cristo revela quem Ele é – o Filho -, o nosso batismo nos deu o que não possuíamos – a graça da filiação. Uma vez batizados passamos a pertencer à família de Deus, a ser concidadãos dos santos, membros do Corpo místico de Jesus Cristo – a Igreja.

Muito adequado, portanto, tomar consciência de quem somos – Filhos de Deus. Como tal não podemos viver como bastardos, como rebeldes, como ateus, como pagãos. Pelo batismo pertencemos a Jesus Cristo. Isto deve mudar o rumo da nossa vida, não podemos ser estranhos Àquele ao qual pertencemos.

Quem é batizado e vive como pagão é semelhante a alguém que é proprietário do tesouro mais valioso que possa existir e não sabe. Assim, tem vivido muitos católicos, batizados ou mesmo que já receberam a primeira eucaristia e a Crisma. Mas desconhecem completamente qualquer vestígio de vida cristã, ignoram completamente a Igreja e a doutrina salvadora que ela conserva e proclama, pouco ou nada sabem do evangelho e dos mandamentos divinos. E assim vão passando esta vida caminhando para o inferno, enquanto receberam da Igreja um tesouro, a graça da filiação, que lhes dá direito ao céu.

Por mais obscura que seja a vida de um batizado no mais íntimo de sua alma há um sinal que indica sua pertença a Deus, “um pavio que ainda fumega” (Is 42,3). Basta um pouco de docilidade de quem o carrega para que se reacenda novamente na sua alma o fogo do Espírito, do amor e da graça de Deus. Ninguém se sente confortável quando vê alguém se apossar de um objeto que lhe pertence. O Senhor também não se compraz em ver que tantos batizados, filhos de Deus, que Lhe pertencem são possuídos pelo pecado, pelo mundanismo, pela força do mal, pela indiferença.

Se nós que somos humanos egoístas não descansamos enquanto não tomamos de volta o que nos pertence. Deus também não “descansa” até que todos os que lhe pertencem sejam resgatados para o seu reino. É neste sentido que o Senhor diz: “assim haverá no céu alegria por um só pecador que se converte, mais do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15,7). Assim, não basta receber o batismo, é preciso vive-lo, procurando todos os dias a graça da conversão.

Por fim, que o seu batismo não seja apenas um acontecimento esquecido no tempo, mas o grande tesouro que lhe faz herdeiro dos céus, peregrino nesta terra, conduzido pelo Espírito de Deus, sustentado pela graça do Senhor. Que nos tornemos conhecidos neste mundo não por aquilo que temos, pelo cargo que ocupamos, pela fama ou pelo sucesso. Que sejamos conhecidos por aquilo que somos – batizados, filhos de Deus. Por que foi assim que Deus revelou o seu filho ao mundo: “Tu és o meu Filho amado”, pelo batismo também somos filhos amados por Deus. Mesmo que o nosso amor por Ele já esteja falido. Nenhum outro título se iguala a este, porque é o único título pelo qual podemos ser reconhecidos nesta terra e podemos ser também acolhidos no céu, o único nome pelo qual podemos ser salvos.

Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF


Leituras: Is 42,1-4.6-7 / Sl 28 (29) / At 10,34-38
Evangelho: Mc 1,7-11