“… E Ele ficou no deserto durante quarenta dias e aí foi tentado por santanás” (Mc 1 12).

Neste tempo quaresmal somos todos convidados a viver de modo mais intenso aquilo que é a nossa existência neste mundo – um deserto. No qual estamos sujeitos à tentação, ao medo, à divisão, à desorientação, ao perigo, ao pecado e até mesmo em perder a confiança em Deus, rompendo com Ele a aliança de amor que Ele nos dá em Seu Filho Jesus Cristo.

Mas se o deserto por um lado revela-nos os perigos aos quais estamos sujeitos, por outro, nos dá a possibilidade de experimentar o socorro de Deus. Seja através do seu Espírito, seja através dos seus anjos que vem ao nosso socorro.

Neste sentido a tentação do Nosso Senhor no deserto é exemplar para todo o batizado. Primeiro Ele nos ensina que não precisamos ter medo de nos deixar ser conduzido pelo Espírito, mesmo quando Ele nos conduz para o Deserto. Porque o Espírito não somente conduziu o Senhor ao deserto, mas o sustentou no caminho de fidelidade ao Pai e na sua luta contra o espírito do mal.

Em segundo lugar o Senhor nos ensina que mesmo no deserto, em meio a tantos perigos não podemos perder a consciência de que somos filhos de Deus e irmãos uns dos outros. Como tal, nenhuma outra oferta de felicidade pode substituir a aliança de amor que Deus fez conosco.

A tentação é uma provação, cujo objetivo é suscitar no coração do ser humano uma rebeldia, uma desconfiança diante das promessas de Deus e da salvação que Ele nos oferece em seu Filho Jesus Cristo. No fundo a tentação procura convencer-nos que Deus não é fiel às suas promessas ou não as pode cumprir. Sendo assim, tenta nos convencer que é melhor seguir os próprios caprichos, as próprias vontades. Ou seja, a tentação procura transformar-nos em infiéis a Deus e à sua vontade. Não é por acaso que o Senhor nos ensina a rezar: “Não nos deixeis cair em tentação”.

O Senhor sabe o quanto estamos expostos aos riscos da tentação. Por isso, assim como enviou seus anjos para servir o Senhor na tentação no deserto. Também não nos abandona diante da tentação, vem constantemente em socorro da nossa fraqueza. Na força e constância da oração precisamos suplicar de Deus o socorro na hora da tentação. Também o jejum é uma arma de fundamental importância na luta contra as tentações. Uma vez que o jejum nos fortalece a vontade para sermos capazes de renunciar ao que não convém ao cristão. A esmola por sua vez ajuda-nos a desprender dos bens materiais e a exercitar a caridade, a partilha, o que nos liberta da tentação da ambição, do consumismo e do ódio.

Que neste retiro quaresmal de quarenta dias possamos intensificar nossa oração, praticar o jejum e a esmola. Afim de que tais atos nos conduzam sempre mais à conversão, fazendo-nos crescer na consciência que Deus jamais é infiel às suas promessas. Que podemos nos aproximar Dele com coração filial. Ao nos reconhecermos como filhos de Deus, consequentemente temos que reconhecer o próximo como nossos irmãos. Procurando viver a experiência da fraternidade como contraponto às divisões, à violência, ao contratestemunho, à desorientação na fé.

Que o Espírito do Senhor que nos conduz e que nos sustenta neste deserto, nos dê discernimento suficiente para não cairmos na tentação de baratear a fé cristã, de confundir a fé dos simples e os valores do evangelho em troca da ideologização e politização da fé escondida atrás do discurso da fraternidade. Nenhuma pessoa de fé é contra a fraternidade em sentido evangélico, o que o povo simples de fé não aceita, pelo sensus fidelium, é a deturpação da fraternidade para empurrar goela abaixo posições que pervertem a fé e se opõem à verdade do evangelho.

Por outro lado, não percamos a consciência de que a Igreja é uma família de irmãos, filhos de um mesmo Pai, que creem num mesmo é único Senhor, que se amam e se respeitam entre si, não obstante as deficiências, virtudes e pecados que todos carregamos. Que a fé no Senhor morto e ressuscitado para a nossa salvação é o ponto de partida para o diálogo, para a comunhão, para o serviço aos pequenos, aflitos, pobres e sofredores. Pois sem referência a Cristo, não é possível construir uma autêntica experiência de fraternidade, unidade, partilha e diálogo entre os homens. Qualquer experiência de diálogo sem referência a Cristo se torna Babel (dando origem a uma linguagem na qual os que creem em Cristo já mais se entendem, causando grave desorientação).

Assim como o Senhor foi tentado no deserto, são muitos os demônios que nos tenta a perder a fé na Igreja do Senhor, no Evangelho, na comunhão, na partilha. Não ouçamos a voz do tentador, que procura semear divisão ao semear a mentira entremeada com a verdade. Ouçamos a voz do Senhor que nos conclama: “Convertei-vos e crede no Evangelho!” (Mc 1, 15).

Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF


Leituras: Gn 9,8-15 / Sl 24 (25) / 1Pd 3,18-22
Evangelho: Mc 1,12-15