“…não me recusastes teu filho único”
Nas Sagradas Escrituras encontramos duas grandes colunas de Fé: Abraão, o pai da fé de todos os crentes, no AT. Que não negou-se a dar a Deus o bem mais precioso que tinha – seu filho Isaac. E, no NT, Maria, que não negou acolher como Filho seu o Filho de Deus. Pela fé Abraão não se nega a sacrificar o seu Filho, pela fé Maria não se recusa a ser mãe do Filho de Deus.
Com ambos aprendemos que os que creem verdadeiramente no Senhor não lhe negam absolutamente nada, mesmo o que tem de mais precioso. Porque sabem que Deus não recusa bem algum àqueles que O amam, O servem e lhe obedecem.
Em momento algum Abraão questiona a Deus, mesmo sofrendo interiormente diante do que foi lhe pedido. Mas como é comum aos que tem fé, sabia que Deus realiza o bem mesmo diante de um aparente absurdo, como seria o sacrifício do próprio filho. Como pai da fé, Abraão podia duvidar de si mesmo, mas nunca duvidaria de Deus. No mais íntimo do seu coração, sabia que Deus iria providenciar por si mesmo a vítima para o sacrifício. Enquanto a ele cabia viver a sua fé na dimensão da obediência, da renúncia e da confiança em Deus.
Assim, Abraão nos ensina que a pessoa de fé autêntica está disposta a sacrificar o que for preciso para manter-se na obediência a Deus. A pessoa de fé não recusa nada a Deus. Diferentemente da “fé interesseira”, tão comum em nossos tempos, que tudo quer receber de Deus: curas, milagres, prosperidade, salvação, proteção, perdão, saúde… Mas que nada quer sacrificar pelo Senhor ou pela causa do evangelho.
Segundo a “fé interesseira”, tão difundida pela famigerada teologia da prosperidade, Deus não pode recusar nada ao ser humano. Defende a tese que o homem deve exigir tudo de Deus, como se Este fosse súdito do homem, enquanto este não está disposto a sacrificar nada por sua submissão a Deus. Esta não é a fé dos verdadeiros crentes, nem corresponde a real natureza de Deus.
Pois a real experiência da fé não se baseia num Deus súdito do homem, que lhes faz suas vontades e caprichos. Somente existe fé lá aonde o homem não recusa nada a Deus e procura fazer a Sua vontade. Quando o homem procura um Deus que faça suas vontades e caprichos aí há uma espécie de magia, porém nunca dará origem a autêntica experiência de fé. Porém, quando nos despimos dos nossos interesses, das nossas vontades para realizar a vontade de Deus aí nos abrimos a graça da fé.
Quando abrimo-nos à graça da fé Deus nos cumula de todos os bens, Ele não nos recusa bem algum. Como não nos recusou sequer a nos dar o Seu Filho Único em sacrifício para a nossa salvação (cf. Jo 3,16). Como diz o Senhor a Abraão: “… uma vez que agiste desse modo e não me recusaste teu filho único, eu te abençoarei e tornarei tua descendência numerosa como as estrelas do céu e como as areias da praia do mar” (Gn 22,17).
Por fim, a resposta de Deus à fé e à obediência de Abraão traduz-se em benção e fecundidade. Que nesta quaresma não recusemos sacrificar a Deus bem algum, porque Ele já nos deu o maior e supremo bem – Jesus Cristo – morto, sepultado e ressuscitado para nossa salvação. Se Nele cremos somos salvos, se a Ele obedecemos nos convertemos; se nos convertemos o Senhor derrama abundantes bênçãos sobre nós. Por isso, não recusemos o Senhor, o sacrifício do amar ao próximo; o sacrifício de partilhar os bens com o necessitado; o sacrifício da vida comunitária; o sacrifício da nossa conversão; o sacrifício do perdão.
Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF
Leituras: Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18 / Sl 115 (116) / Rm 8,31b-34
Evangelho: Mc 9,2-10