“… porque ele me consagrou para anunciar a Boa Nova aos pobres…” (Lc 4,18)
Na liturgia de hoje encontramos dois momentos solenes nos quais a Palavra de Deus é anunciada com solenidade e autoridade. Na primeira leitura é Esdras quem faz a leitura do livro santo; no evangelho é o próprio Senhor que “Conforme seu costume, entrou na sinagoga, no sábado, e levantou-se para fazer a leitura” (Lc 4,17). Ao anunciar o texto do profeta Isaías, Jesus conclui: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,21).
Enquanto Esdras anunciava a promessa, Jesus, na sinagoga, anuncia o cumprimento, porque Ele é a realidade, é Deus mesmo falando ao seu povo. Neste seu anúncio Jesus expõe alguns aspectos importantes da sua pessoa e da sua missão, Ele fala de si mesmo.
Primeiro Ele vem na força e no vigor do Espírito Santo: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres” (Lc 4,18). Pela força e vigor do Espírito Santo, o Senhor torna compreensível aos pobres, aos humildes e simples de coração a palavra de Deus; torna compreensível Ele mesmo, porque Ele é a Palavra de Deus encarnada.
Pobres, humildes e simples de coração são os Teófilos, ou seja, os amigos de Deus, aqueles que acolhem sua Palavra sem lhe colocar resistência, sem distorce-la, sem instrumentaliza-la em favor dos seus interesses. O Senhor nos convida a sermos Teófilos, amigos de Deus, que procuram acolher e compreender a sua Palavra no mesmo Espírito com a qual ela nos foi revelada.
O amigo de Deus não procura interpretar a Palavra de Deus, segundo sua inteligência ou como se fosse um texto profano qualquer. Antes procura deixar Deus falar através da sua Palavra. O legítimo intérprete da Palavra não somos nós, não são os teólogos, mas Cristo mesmo na força e vigor do Espírito Santo. Ele a resume, a explica, a torna clara para nós. Ele é o grande amigo de nossa alma. Ao contrário do que a cultura pagã difunde, afirmando que “o melhor amigo do homem é o cachorro”, o que constitui uma aberração pagã; o melhor amigo do homem é Cristo. Aquele que dá a vida pelos seus amigos: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos” (cf. Jo 15,13).
Jesus é o enviado do Pai que vem para nos libertar de toda espécie de cativeiro, de toda espécie de escravidão. O homem livre é aquele que se abandonou nas mãos do Senhor, que se deixa ser possuído por Ele. Quando pertencemos a Cristo saímos da escravidão de tudo que não é Ele e que se opõe a Ele. Não há nenhum tipo de escravidão da qual Cristo não possa nos libertar.
Ele veio também para conceder aos cegos a recuperação das vistas (Lc 4,18), porque Ele é a luz do mundo, sem a qual não podemos ver qual é nossa vocação, nossa dignidade, nosso passado, presente e futuro. Quanta cegueira reinante neste mundo, que já não é mais capaz de distinguir e compreender as coisas mais simples: que Deus nos criou homem e mulher; que somos chamados à vida eterna, que há uma lei natural inscrita em nossa natureza; que matar é um pecado que clama aos céus (aborto, eutanásia, assassinato); que oprimir e explorar os pobres é abominável; que zombar de Deus é a pior das ingratidões.
O mundo está cego e quer nos arrastar para a sua cegueira. Para tal usa de todos os artifícios, mídia, consumismo. Tanto que na era virtual as pessoas tem perdido a capacidade de pensar, de conviver, de refletir, de rezar, pois passam a maior parte do seu tempo conectadas, consumindo, na maioria das vezes besteirol, saciando sua curiosidade frívola, quando não alimentando vícios e pecados abomináveis. Em muitos aspectos o mundo virtual tem mantido as pessoas presas numa espécie de cegueira coletiva. Embora, graças à Deus, há muitos que usam tais instrumentos em favor do evangelho e do bem.
Mas Cristo quer nos abrir os olhos para poder ver quão belo é o projeto de vida e salvação que Deus tem para seus amigos. Ter fé é ter os olhos abertos para obedecer a Deus, mesmo que isto exija estar em aberta contradição com o mundo. Ter fé é deixar-se conduzir pela palavra de Deus, é ter os olhos fixos em Jesus, entrar na obediência à sua vontade, para que sua palavra se cumpra também em nós. Ter fé é ser capaz de assumir a vida real com suas contradições sem, no entanto, perder a esperança e a confiança em Deus.
Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF
Leituras: Ne 8,2-4a.5-6.8-10 / Sl 18b / 1Cor 12,12-14.27
Evangelho: Lucas 1,1-4;4,14-21