A dependência é uma condição da nossa existência. Dependemos uns dos outros, deste o momento da nossa concepção. A dependência em si é indiferente, podendo ser uma dependência sadia ou doentia. Em Cucci encontramos uma breve explicação do que significa ser dependente:

“Ser dependente significa reconhecer que não somos autossuficientes. Cada ser vivente é estruturalmente dependente, se não quer morrer; não é possível desconsiderar esta condição. Há, porém, formas diversas de dependências, algumas sãs e outras más. Colher esta diferença é essencial”[1].

Em nosso tempo podemos citar algumas das dependências mais danosas, umas mais antigas outras muito atuais: o alcoolismo, homossexualismo, fornicação, adultério, onanismo, os entorpecentes, a gula, a pornografia (que com o advento da rede, tem alcançado proporções alarmantes, e provocado danos irreparáveis), a compulsão digital, a jogatina. Uma pesquisa realizada no ano de 1998, pela Carnergie Mellon University di Pittsburg, revelou um agravamento da qualidade dos relacionamentos face à face depois do advento da rede. Caracterizado pelo aumento massivo dos casos de depressão e solidão[2].

“Mas a dependência, como toda realidade apresenta também o seu aspecto negativo: depender significa ser frágil, incapaz, necessitado, é às vezes muito fácil procurar compensações para esse vazio que, todavia, ao invés de anular o problema, o exaspera, apagando progressivamente a vontade de viver. A dependência torna-se malsã, doente e também patológica se impede o desenvolvimento da pessoa, empobrece a sua existência, atrofia as suas possibilidades e coloca em grave risco a saúde”[3].

O vício e as dependências tem um forte potencial para conduzir a pessoa ao adoecimento emocional, psíquico, espiritual. Uma vez que a empurra para uma insatisfação sempre crescente. Porque aquilo que alimenta a dependência, o vício não é capaz de satisfazer ninguém. Por isso o vício desemboca na compulsão. Quanto maior a compulsão maior o vazio. Pois quando a pessoa procura satisfazer-se com o que lhe agrada, menos lhe agrada aquilo que faz. Como conclui Cencini:

“Como consequência, a pessoa não só não será mais livre, mas perderá também sempre mais a capacidade (ou liberdade) de gozar da própria compensação à qual se habituou (quanto mais alguém faz aquilo que lhe agrada, tanto menos de fato, lhe agrada aquilo que faz”.

É devido a este processo que os vícios tendem a ir de uma escala menor à procura de doses sempre maiores e mais destrutivas. Como o sujeito que começa usando drogas aparentemente inofensivas, quando menos se espera está dominado pela dependência a drogas cada vez mais mortais e destrutivas. Ou a pessoa que se aventura pela pornografia, não demora a se permitir o contato com material cada vez mais violento, indigno e vulgar. Falando a este respeito Ranniero Catalamessa afirma que quando a pessoa se aventura no pecado, o inimigo a convence que aquela é sua última oportunidade. De modo que precisa aproveitá-la ao máximo, sendo assim, inevitavelmente, arrastado ao fundo do poço.

O fazer de forma compulsiva o que lhe agrada, como vimos, conduz muito cedo, a não ser agradado por aquilo que se faz. O que gera um nível de dependência cada vez maior. Não é por acaso que o nosso tempo é marcado pelos excessos, no comer, no divertir-se, no fazer. Porque o homem contemporâneo perdeu a vigilância, a sobriedade a liberdade. Há um vazio na sua alma que excesso algum pode suprir, que vício algum pode preencher. Somente o Criador pode satisfazer a sua criatura. Nenhuma música ensurdecedora poderá licenciar o grito de Deus que brota no coração do homem. Nenhuma droga, por mais potente que seja, poderá aplacar a sede de felicidade que o homem carrega dentro de si.

Uma vez dominado pela dependência, a pessoa desvincula-se de todo o resto, passando a viver em função do vício. Que funciona como uma cadeia, como uma estrada de mão única, na qual se percorre repetidas vezes o mesmo caminho, sem nunca satisfazer seus desejos, nem chegar a lugar algum. O que, segundo Cucci, gera um comportamento compulsivamente repetitivo.

“A nível comportamental uma dependência se manifesta na procura e na reiteração de um determinado comportamento; paralelamente, a nível psicológico o sujeito é totalmente absorvido pelo objeto da própria dependência, tanto que não alcança desvencilhar-se do mesmo e descuida de todo o resto, das relações afetivas ao trabalho, etc”[4].

Outra pesquisa revela que com o advento da rede a grande maioria das pessoas não conseguem mais empenhar-se numa única atividade mais que onze minutos continuados, sem sentir-se solicitado pelos aplicativos de comunicação instantânea[5]. Se aplicamos este dado ao âmbito acadêmico o resultado é desastroso. Porque para uma absorção razoável de um conteúdo se requer ao menos uma hora de leitura concentrada sobre o mesmo. Sem este tempo mínimo é impossível tecer qualquer reflexão séria sobre algum conteúdo.

Ainda no caso da dependência em relação à rede se levanta questionamentos muito sérios em se tratando que os estímulos que o uso desta desperta no cérebro é semelhante aos estímulos que respondem ao uso de entorpecentes. Apresentando picos de dopamina quando expostos ao mundo virtual e adotando tipos de comportamentos semelhantes ao de pacientes clínicos devido à dependência química[6]. Alguns sinais que podem indicar sinais de dependência da rede a nível psicológico:

“A nível psicológico um parâmetro fundamental para falar de uma dependência da Internet é notar se a pessoa tende a descuidar das relações da vida real, a empobrecer o interesse, e esmorecer o gosto de viver. O próprio uso do computador tende a fixar-se sobre uma única modalidade de navegação online, por exemplo os chat, o jogo, os vídeos jogos, os sites pornográficos. Quanto mais a abordagem tende a ser unilateral, tanto mais provável encontrar indícios para um uso patológico da Internet”[7].

Outro sinal que indica que uma determinada dependência está assumindo contornos patológicos é sensação de perda de controle da pessoa diante do objeto da sua dependência. “É como se uma parte de si procurasse o prazer e uma outra o desaprovasse. A dependência torna-se assim uma forma de automatismo no qual se tem a impressão de ter perdido o controle”[8]. Quando a situação chega a este nível a pessoa necessariamente necessitará de ajuda para superar o vício, porque a sua liberdade já se encontra seriamente comprometida.

Por fim, numa fase mais crônica da dependência, o sujeito descuida não somente do mundo à sua volta, mas começa a descuidar de si mesmo, chegando “A impossibilidade de cuidar de si mesmo é uma característica típica da dependência doentia”[9]. O que traz a memória o que diz as Sagradas Escrituras: “Grita um abismo a outro abismo” (Sl 42, 7 (43). Assim, funciona as dependências, os vícios, um abismo atraí outro abismo. Diante de tantas solicitações vale a exortação de São Paulo: “’Tudo me é permitido’, mas nem tudo convém. ‘Tudo me é permitido’, mas não me deixarei escravizar por coisa alguma” (ICor 6, 12).

Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF


[1] G. CUCCI, Paradiso virtuale o infer.net?: Rischi e opportunità della rivoluzione digitale, Àncora & La Civiltà Cattolica, Milano, 2015, p. 5.
[2] Cf. Ibidem, 8.
[3] Ibidem, 6.
[4] Ibidem, 7.
[5] Cf. Ibidem, 11.
[6] Cf. Ibidem, 12.
[7] Ibidem, 13.
[8] Ibidem, 15.
[9] Ibidem, p. 81.