“… Mas ele esvaziou-se a si mesmo… assumindo a condição de escravo” (Fl 2, 7)

Com a celebração de hoje marcamos o início da maior de todas as semanas – a Semana Santa. Na qual, não obstante a limitação do nosso tempo, iremos celebrar de modo mais intenso os grandes mistérios da nossa salvação: a paixão, morte e ressurreição do Senhor. Mistérios estes que nos revelam o valor inigualável que tem o ser humano para Deus.

O primeiro destes eventos celebrados pela liturgia é a entrada de Jesus em Jerusalém, montado num jumentinho, aclamado como rei pelos que rodeavam os caminhos. De fato, o Senhor é rei, não como os reis deste mundo, cujo poder funda-se na violência e na dominação.

Diferentemente de qualquer rei mundano, Jesus não entra em Jerusalém montando num cavalo, símbolo do poder, da nobreza e da ostentação dos antigos monarcas. Ele entra em Jerusalém montado num jumentinho, símbolo de pobreza e de despojamento. Uma vez que o jumento é um animal desvalorizado.

Normalmente, quando um rei entra de maneira triunfal numa cidade, vem com a decisão de conquista-la, de dominá-la, de saqueá-la ou de escravizar as pessoas que nela habitam. Jesus, muito pelo contrário, entra em Jerusalém, para torna-la livre. Não somente Jerusalém, mas a humanidade como um todo. Também quando o Senhor quer entrar em nossa vida, não é para nos dominar, para nos escravizar, mas para nos salvar, para nos tornar verdadeiramente livres.

Jesus não entra em Jerusalém para escraviza-la, senão para libertá-la de todo mal, de toda contradição. E ali foi tratado como escravo, o que vem de encontro ao que nos diz a carta de São Paulo aos Filipenses: “mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens” (Fl 2,7).

Isto é verdade, a condição do homem neste mundo sem Deus é uma condição de escravidão. Somos escravos do pecado, do medo, da morte, da enfermidade, da violência, dos vícios, da incredulidade, do sincretismo, das falsas religiões, da mentira. Somente Jesus Cristo – o Senhor ao fazer-se um de nós, vindo viver entre os escravos, pode nos fazer novamente livres, ao vencer toda a maldade que se faz presente no mundo.

Jesus, ao se encarnar, entrou num mundo tortuoso, marcado por tantas incertezas e injustiças. Um mundo não muito diferente do nosso, profundamente marcado pela dor nestes tempos de pandemia. No qual famílias inteiras têm passado por tribulações, medo, perdas, dificuldades econômicas, aflições e solidão inaudita. Na sua paixão o Senhor se faz solidário de cada pessoa fragilizada pela dor. Segundo a profecia de Isaías: “E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava” (Is 53,4).

Tendo assumido a nossa condição humana Jesus assumiu todas as nossas dores e enfermidades ao mesmo tempo que nos concede participar do que é seu: sua paixão, morte e ressurreição. De nós o Senhor herdou a morte, o sofrimento. Dele nós recebemos a vida, a graça, a filiação, a salvação.

Por fim, que nesta grande semana possamos entrar com o Senhor na Jerusalém da nossa história presente, para sofrer com Ele a paixão e participarmos com Ele da glória da sua ressurreição. Certamente, estamos numa semana santa realmente marcada pela dor, rodeada pela ameaça do sofrimento, da morte, da separação, causadas pela pandemia e pelo desamparo. Mas pela fé, pela solidariedade com os que sofrem, pela partilha, pela oração, podemos transformar esta grande semana de dor, numa autêntica semana de ressurreição. Esvaziando-nos de nós mesmos dos nossos egoísmos, dos nossos interesses, para nos encher de Deus, do seu amor, da sua misericórdia.

Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF


Leituras: Is 50,4-7 / Sl 21 (22) / Fl 2,6-11
Evangelho: Mc 15,1-39