Este ano de 2020 se iniciou sob a sombra de uma epidemia que tem colocado o mundo inteiro em pavor e de joelhos. Gerando uma situação muito propícia para vir à luz do dia paradoxos em meio a uma crise incontrolável. Talvez o paradoxo que emergiu nestes dias que causa maior perplexidade e surpresa é ver uma cultura que dissemina, articula e promove a morte, aterrorizada pelo medo da morte.

Impressionante perceber como os debates acerca do aborto, da eutanásia, ideologia de gênero, da legalização das drogas, das guerras, dominavam o centro de interesse da grande mídia. Uma verdadeira agenda de promoção da morte. E ver que nestes últimos meses esta agenda da morte felizmente silenciou-se. Porque agora o medo da morte indiscriminada, causada pelo COVID-19, ocupa todos os espaços midiáticos.

O grande paradoxo é que a cultura da morte, que promove a morte, está agora aterrorizada pela morte. Porque se trata de uma ameaça que toca não somente crianças inocentes no ventre materno, idosos e enfermos indefesos, jovens flagelados pelo tráfico nas periferias das grandes cidades, desempregados ou pobres imigrantes e refugiados. Toca também os poderosos promotores da morte, também estes são ameaçados pela morte. Que esta ameaça ajude a sociedade como um todo a entender que a nação e todos os seus cidadãos precisam se preocupar com coisas mais essenciais: saúde pública, educação, bem comum, saneamento básico, moradia do que somente com carnaval e futebol.

Este paradoxo chama as consciências à compreensão que a morte é uma grave violência, um drama, mesmo quando afeta os outros. Quantos que, de tantas maneiras militam ou militavam pela morte dos outros, promovendo aborto, eutanásia, tráfico de drogas, corrupção, violência, guerras, injustiças, agora temem pela sua própria morte. Que o paradoxo desta crise faça crescer a consciência que faz parte da sensibilidade humana zelar também pela vida dos outros, sentir-se tocado, não somente quando a nossa vida está ameaçada, mas também quando a vida dos outros está.

A este grande paradoxo acrescenta-se ainda um outro na forma de uma interrogação: “Salvar a vida ou a economia?” Assim formulada a questão condiciona a entender que economia e vida são duas realidades contrapostas ou mesmo dissociadas, o que constituiria um grave erro. Não dá para separar esses dois valores. Suponhamos que se opte por salvar a vida, esta é um bem irrenunciável: “…escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência” (Dt 30, 19). A escolha do homem será sempre pela vida, porque a morte não é uma escolha, trata-se sempre de uma imposição trágica. Mas para promover a vida se faz necessário a economia. Assim, o momento presente exige um discernimento das autoridades para encontrar os caminhos mais adequados para salvaguardar o máximo de vida, valendo-se de seus valores econômicos, morais, espirituais, humanos.

Por fim, a economia não é um fim em si mesma, seu valor deriva de ser um instrumento em favor do bem comum, em favor da vida de todos os homens. Se se dissocia a economia da vida e do bem comum ela perde a sua razão de ser. Talvez a questão é posta assim: “Salvar a vida ou a economia?” Porque a economia tem sido instrumentalizada para outros fins: a ambição, o consumo desenfreado de alguns, a ostentação, o domínio de uma nação sobre a outra. De modo que, a economia que se contrapõe à vida, é aquela que foi desvirtuada da sua finalidade. A economia retamente entendida está à serviço da promoção da vida, não da morte. Portanto, a crise atual impõe a reestruturação de uma economia que esteja à serviço da vida, aí sim, é preciso salvar a vida e a economia. Mas lá onde se coloca a questão: “Salvar a vida ou a economia?” Se revela que a economia já não estava mais à serviço da vida, mas de outros interesses.

Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF