“Amai os vossos inimigos” (Lc 6,35)

Quando olhamos para Deus, para o Seu mistério que nos foi revelado em Nosso Senhor Jesus Cristo, nos damos conta que todo agir de Deus em relação a nós é a de oferta de amizade na forma da salvação. Deus chama, forma, corrige, perdoa, porque nos quer como seus amigos. Cristo morreu na cruz justo para destruir a força das realidades que semeiam a inimizade entre os homens e destes para com Deus: o pecado e o Demônio.

A vocação mais fundamental de todo ser humano é a da amizade com Deus, seu Criador e Salvador. Podemos até dizer, fomos criados e salvos para a amizade com Deus, para viver em comunhão com Ele. A ausência desta amizade e comunhão com o Senhor é o inferno.

Mas a realidade presente é bem outra, porque a humanidade, desde o pecado dos nossos primeiros pais (Adão e Eva), encontra-se encerrada num lamaçal de divisão e inimizade. Esta inimizade para com o próximo se revela na forma do ódio, da infidelidade, da exploração, da violência, da mentira, da maldade. E para com Deus ela se revela através da indiferença, da incredulidade, do desprezo.

A inimizade dos homens entre si é um reflexo direto da sua inimizade para com Deus. Porque quem se faz inimigo de Deus, em pouco tempo se torna, também, inimigo dos homens, seus irmãos. Pelo contrário, a vida e a amizade com Deus exige a amizade para com o próximo.

Não temos forças para sair deste círculo de inimizade somente apoiando em nós mesmos. Somente Aquele que experimentou, na sua própria carne, a força destruidora do ódio e da inimizade pode nos socorrer com a sua graça, afim de nos reconduzir à amizade com Deus e com o próximo – Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele enfrentou a inimizade, o ódio, com a única força que é capaz de vencê-los – o amor.

Por isso Ele também nos convida a amar, apresentando a radical novidade do cristianismo: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam…” (Lc 6,27). Ninguém jamais ousou estabelecer medida tão elevada. Mas o Senhor o faz, porque é a própria medida do amor.

Este amor aos inimigos que o Senhor nos prescreve não é uma ideia abstrata, antes está disposto por ações muito concretas. Primeiro fazer “o bem aos que vos odeiam”. À exemplo de Davi que poupou a vida do seu inimigo, Saul, quando este estava em suas mãos. Abençoar os que nos amaldiçoam, maldizem, caluniam e procuram nossa ruina. Nos é de grande utilidade apresentar todos os dias a Deus uma breve oração pelos nossos inimigos, pelos que nos odeiam.

Em questão de inimizade somente a oração, suplicando o agir divino é que pode derrubar o muro de separação, lançar luz, aonde há somente escuridão, substituindo qualquer desejo de vingança por uma postura de reconciliação, de mútua estima.

Não podemos continuar vivendo dominados pelo ódio. Pensemos naquelas situações dolorosas de separações matrimonias, que deixaram tantas feridas, ainda não cicatrizadas, ainda não reconciliadas, esposo e esposa, entre pais e filhos. As situações de crise e desentendimento no trabalho, na vizinhança, que transformaram amigos em inimigos. As brigas e inimizades entre irmãos, motivadas pela disputa de herança, que afastaram irmãos de sangue de maneira quase irremediável.

Nestas e tantas outras situações tão dolorosas, somente a graça de Deus pode recriar a amizade perdida. Lá aonde nós, com nossos pecados, ambições, negligências, interesses, infidelidades e mentiras criamos inimizade e ódio, o Senhor quer e pode reconstruir inimizade.

Por fim, a inimizade é terreno estéril e mortífero, porque mata a comunhão das pessoas entre si, e a comunhão destas para com Deus. Diante de tantos conflitos mau resolvidos, que geraram ódio e inimizade, precisamos da coragem para a reconstrução da amizade para com o próximo. Quem começa a reconstruir a sua amizade para com o próximo está reconstruindo sua amizade para com Deus. O inverso também é verdadeiro. O primeiro passo desta reconstrução é a oração, mas é preciso ir além. Que o Senhor nos ajude a viver o que Ele nos pede: “amai os vossos inimigos” (Lc 6,35).

Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF


Leituras: 1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23 / Sl 102 (103) / 1Cor 15,45-49
Evangelho: Lucas 6,27-38