Pornografia, um câncer avassalador

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Usando uma expressão de Cencini, a pornografia gera como uma das suas mais graves consequências um profundo abismo de solidão, de desestima pessoal, além de danos às vezes irreparáveis na alma de quem recorre a ela1. Não é por acaso que hoje a pornografia representa uma grave preocupação do ponto de vista moral, científico, médico, psicológico, antropológico e espiritual². Uma vez que destrói a dignidade do corpo humano como templo do Espírito Santo, como nos adverte São Paulo: “Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus?… e que, portanto, não pertenceis a vós mesmos? Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate; glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo” (ICor 6, 19 -20).

A busca de gratificação desviante na pornografia vai corroendo aos poucos a vontade, a alma e o caráter da pessoa, até arrastá-la para graves parafilias, trazendo consequências pessoais, familiares, psíquicas, profissionais, jurídicas e canônicas. Bem como pode gerar processos patológicos de cunho sexual. O que decorre do processo compulsivo que exige doses sempre maiores e experiências sempre mais extravagantes. O que resulta na perca da capacidade de regozijar-se e de sofrer, consequência da morte ou do adormecimento total da sensibilidade afetiva³. Ou seja, insere o sujeito num estado de apatia, de indiferença diante da vida, de total adormecimento da consciência.

A pornografia produz, no campo da sexualidade, algo parecido com o processo que é gerado pelos entorpecentes. Na grande maioria dos casos, muito dificilmente uma pessoa entra para o mundo das drogas recorrendo já de início a drogas pesadas. Normalmente se inicia pelo uso de drogas ou substâncias aparentemente inofensivas: álcool, cigarro, cola de sapato, tinner. Depois vem a maconha, êxtase, cocaína, drogas sintéticas, crack (o fundo do posso – a morte). Ou seja, introduz o sujeito num labirinto de tristeza, vazio e desilusão. Daí que é preciso fugir deste caminho como quem foge da morte.

Seguindo uma dinâmica muito idêntica a pornografia poderá ter como escopo desvios de ordem sexual altamente perigosos para o próprio indivíduo, para a Igreja, para a sociedade e para os outros. Inclusive incorrendo em desvios que assumem a condição de crime: pedofilia, efebofilia, abuso de menores, estupro, assédio sexual. O que vem de encontro à conclusão do documento da CNBB sobre o cuidado devido para com as vítimas de abuso sexual: “A pornografia é um dos principais meios de propagação da violência sexual”⁴. Na medida que ela predispõe o sujeito para a prática de tais aberrações.

Aqui vale ressaltar que o vício da pornografia compromete gravemente qualquer itinerário vocacional. Seja ao matrimônio, à vida religiosa e ao sacerdócio⁵. Não é por acaso que já há algum caso de declaração de nulidade matrimonial junto à Rota Romana, devido ao vício da pornografia. No caso das vocações que requerem o celibato, sacerdócio e a vida consagrada, é preciso ressaltar que a pornografia deforma qualquer possibilidade de formação para uma vivência madura do mesmo. Ou seja, a pornografia é um grave obstáculo à formação para uma vida celibatária. Sobretudo porque habitua o sujeito a uma conduta sexual vivida nas sombras, na obscuridade, sem qualquer vínculo de afeto, marcada pela violência sobre o outro, pelo desprezo por sua dignidade. Postura extremamente propícia para criar personalidades doentias. Por esta razão Cucci, Zolner, Cencini e mais alguns autores consideram a exposição prolongada a material pornográfico como uma das causas da pedofilia e de outras parafilias⁶.

Ademais, a pornografia condiciona o indivíduo a não respeitar o seu corpo, fomentando o vício da masturbação; e a não respeitar o corpo do outro, vendo nele apenas um objeto do qual desfrutar irresponsavelmente. Assim, a pornografia arruína a capacidade relacional da pessoa, a arrastando para um estado de analfabetismo afetivo, de compunção, de insensibilidade. Os danos causados pela pornografia têm ganhado tal proporção que esta vem sendo considerada um problema de saúde pública. Tanto que, não faz muito tempo, a pornografia foi classificada pela Organização Mundial da saúde como um problema que requer atenção clínica⁷.

1 Cf. A. CENCINI, A hora de Deus: a crise na vida cristã, Paulus: São Paulo, 20111 , p. 204.
2 C. CHICLANA, Abordagem da conduta sexual fora de controle, in: Amar e ensinar a amar, Cultor de livros: São Paulo, 2019, p. 131.
3 Id., È cambiato qualcosa? La Chiesa dopo gli scandali sessuali, EDB: Bolongna, 2015, p. 84-93.
4 CNBB, O cuidado pastoral das vítimas de abuso sexual, CNBB: Brasília, 20191 , n. 3.
5 Cf. C. CHICLANA, Abordagem da conduta sexual, op. cit, p. 137.
6 Cf. A. CENCINI, È cambiato qualcosa? La Chiesa dopo gli scandali sessuali, EDB: Bolongna, 2015, p. 150, ver nota de rodapé n. 20.
7 C. CHICLANA, Abordagem da conduta sexual fora de controle, in: Amar e ensinar a amar, F.J. GÓMEZ
(coord.), Cultor de livros: São Paulo, 2019.


Pe. Hélio Cordeiro dos Santos
Formador do seminário maior N. S. de Fátima
Brasília – DF